sexta-feira, 7 de agosto de 2015

António Dias Lourenço, um amante da liberdade

António Dias Lourenço faleceu em 2010, faz hoje 5 anos. É pois um momento oportuno para não esquecer esse grande português e um dos mais destacados dirigentes comunistas da história do PCP que dedicou a vida à luta dos trabalhadores e do povo português, à luta do seu Partido contra o regime fascista, contra a exploração, pela liberdade, pela democracia, pelo socialismo e por uma nova sociedade.

Dias Lourenço nasceu em Vila Franca de Xira em 25 de Março de 1915, filho de uma costureira e de um ferreiro. Foi amigo de infância de Alves Redol. “Muitas vezes quando a maré já estava vazia íamos de barco até uma rocha que ficava um bocadinho fora do Tejo no momento da vazão da maré. Descíamos e íamos apanhar o marisco. Éramos íntimos amigos”, disse Dias Lourenço em 2007 numa entrevista ao jornal “O Mirante”. Com Redol, Dias Lourenço é co-responsável pela popularização do neo-realismo. “O Alves Redol era o principal, mas eu e vários jovens com tendências intelectuais e políticas demos grande impulso a todo esse movimento literário que é conhecido naquela zona”, contou na mesma entrevista. 
Aos 13 anos Dias Lourenço começou a trabalhar, como torneiro mecânico. Aos 17 aderiu ao PCP. “Éramos jovens profundamente ligados à intelectualidade e ao jornalismo. Organizávamos aulas no velho sindicato que funcionava como escola. Chegamos a juntar 50 ou 60 trabalhadores com mulheres. Costureiras e fiadeiras e operários. Aprendi a falar Esperanto para poder dar aulas à malta. Tínhamos muita actividade literária e com forte participação nesses jornais da época. Não só de Vila Franca e do Ribatejo, mas também de Lisboa”.
António Dias Lourenço teve activa participação na reorganização do Partido de 1940/41, nomeadamente no Baixo Ribatejo (onde integrou o respectivo Comité Regional), tendo-se tornado funcionário do Partido e passado à vida clandestina em 1942, assumindo a responsabilidade de tipografias e do aparelho central da distribuição da imprensa do Partido. 
Eleito para o Comité Central em 1943 só de lá saiu em 1996 "para dar lugar a outros camaradas mais novos". Dias Lourenço integrou organismos dirigentes das grandes greves de Julho e Agosto de 1943 e de Maio de 1944 e esteve ainda ligado a outras grandes acções de massas como o 1º de Maio de 1962 e a luta pela conquista das 8 horas de trabalho nos campos. Integrou o Secretariado do Partido entre 1957 e 1962, e foi membro da Comissão Política em 1956 e entre 1974 e 1988. Foi responsável pelo «Avante!», Órgão Central do PCP, de 1957 a 1962, ano da segunda prisão, e seu Director desde a publicação do primeiro número legal em 1974 até 1991.
Preso duas vezes, em 1949 e 1962, Dias Lourenço passou 17 anos nas prisões fascistas, tendo protagonizado uma das mais audaciosas fugas ao evadir-se do Forte de Peniche em 1954. Nesta fuga, quando viu que o grupo de pescadores com quem seguia queria entregá-lo à polícia, abriu o jogo: "Sou membro do PCP, acabei de fugir do Forte, vocês têm de me ajudar". Eles ajudaram. Em 1960, é Dias Lourenço quem organiza a fuga de Álvaro Cunhal e de mais dez membros do PCP, num "trabalho meticuloso e sigiloso que durou muitos meses".

Entre 1962 e Abril de 1974, haveria de voltar à prisão onde "não podia inventar nada, porque nem papel tinha para escrever". Mas Dias Lourenço "ia pensando em tudo, fazendo versos, cantando cá para mim", como recorda numa das muitas vezes que voltou a Peniche para recordar passo a passo a audaciosa fuga de 1954. "Engendrou tudo sozinho, estudou as marés, avisou que ia partir, destruiu a vedação de uma cela solitária, atirou-se ao mar em pleno Dezembro - quando a polícia chegou ao local, constatou que é preciso gostar muito da liberdade para fugir daquela maneira".
Dias Lourenço nunca negou a sua ligação ao partido, mas não havia ameaça ou tortura que o fizesse abrir a boca. "Sou membro do Comité Central do PCP, mas recuso-me a dizer seja o que for", declarou, quando foi preso pela primeira vez, em 1949, antes de ser espancado a cassetete com a preocupação de manter uma expressão que não fosse de dor, Inventou “um sorriso constante” para que os pides não lhe vissem na cara o sofrimento provocado pela tortura. “Eu já sabia que eles gostavam de ver a cara dos presos sob a tortura. E resolvi construir para a minha cara um ligeiro sorriso constante. (…) A mim não me hão-de ver a cara torturada”. Quando o filho António morreu, ainda criança – o maior desgosto da vida de Dias Lourenço – não o deixaram ir ao funeral.  “O facto de estar preso e de não lhe permitirem comparecer no funeral foi uma forma particularmente vil de [a PIDE] procurar quebrar a sua firmeza. Uma vez mais, falharam. A prisão da sua filha Ivone foi igualmente causa de sofrimento. Mas também de orgulho, pela mulher e pela comunista que se tornara”.  
Quando chegou o 25 de Abril, António Dias Lourenço estava preso no hospital-prisão de Caxias. E antes da revolução estava a planear outra fuga. Uma vez disse: “O 25 de Abril lixou-me a fuga”. Dessa vez a ideia era vestir-se de mulher e sair pela porta principal no final do horário das visitas, misturando-se com elas. O actor Rogério Paulo já lhe tinha entregue duas perucas, uma loira e outra morena, para compor o disfarce. Mas da segunda vez não foi preciso. Ao todo, António Dias Lourenço esteve preso 17 anos. Cinco em Peniche, de onde saiu atirando-se para o mar, e 12 em Caxias até ser libertado pelo 25 de Abril. Quando Álvaro Cunhal chegou a Lisboa vindo do exílio, António Dias Lourenço já conseguiu ir esperá-lo ao aeroporto. 
António Dias Lourenço foi Deputado entre 1975 e 1987, tendo feito parte da Assembleia Constituinte. Deixou publicadas valiosas obras ligadas à luta como «Vila Franca de Xira: um concelho no país – contribuição para a história do desenvolvimento socio-económico e do movimento político-cultural», «Alentejo: legenda e esperança», e ainda «Saudades... não têm conto! - Cartas da prisão para o meu filho Tónio».
Com Alves Redol, Dias Lourenço inventou os “passeios no Tejo”. “O Redol e eu fazíamos o trajecto entre Vila Franca e o Carregado. Saíamos do barco e íamos petiscar para o campo. Uma gaita! Íamos comer, mas íamos era conversar sobre política. No Tejo não havia ninguém para nos ouvir. Ali ficávamos e ali fazíamos grandes reuniões. Já nas propriedades do Palha Blanco”, contou Dias Lourenço a “O Mirante”. 
Assistiu ao nascimento de Alves Redol escritor: “O Redol a certa altura começa a escrever. E um dia em Vila Franca chama-me. Tinha seis folhas de papéis almaço escritas à mão. ‘Olha, quero que tu leias e que me digas se sou capaz de escrever um romance’. Então eu pus-me em sentido, em jeito de brincadeira: ‘Decreto número um, artigo primeiro: Declaro que tu és capaz de fazer um romance’ (Risos). Claro que era capaz de escrever romances, como sabe, fez vários... mas esse era o primeiro. Chamava-se “Glória – uma aldeia do Ribatejo”.  
Um dia, em plena ditadura, canta “A Internacional” ao lado de Miguel Torga. “Uma vez eu, o Redol e ele passámos o Tejo para o lado de lá. Tinha acabado a Guerra Civil de Espanha. Estávamos a falar os três sobre o assunto. O Torga, o Redol e eu a certa altura começámos a cantar ‘A Internacional’. A certa altura diz o Torga: ‘Caramba, nunca pensei que alguma vez se pudesse cantar a Internacional alto neste nosso Portugal!”. É claro. Ninguém mais podia ouvir. Senão nós três. Estávamos sozinhos”. 
Viveu 17 anos na clandestinidade e esteve preso outros tantos, dirigiu o jornal Avante durante igual período e dizia que 17 era o seu número da sorte e do azar. Até ao fim, mesmo com a saúde já débil, Dias Lourenço continuou a ir quase todos os dias à sede do PCP. São assim os "nossos grandes Homens"!
Fontes: www.pcp.pt; JN; Wikipédia

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