Andrade da Silva, um dos primeiros protagonistas das ações do 25 de Abril, na então Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas e, depois, em Almada/Cristo Rei, apresenta hoje mais uma reflexão sobre esta importante e significativa data recente da História de Portugal:
"Pediu-me,
o meu amigo e companheiro de luta, Eduardo Milheiro, para falar do 25
de Abril com que convivi e tenho convivido este tempo todo, estes 42
anos que em termos históricos é um tempo curto, mas nas nossas vidas
imenso. Então, era um jovem tenente de 25 anos, passado este lapso de
tempo, parece que neste Portugal, ao arrepio de Abril, somos peste, ou,
segundo uma nova formulação de Costa Pinto, espuma, e, ainda mais, pela
condição de militar.
Todavia e pese embora a desfaçatez desta gente, a minha grande
descoberta interior é que o espírito da Revolução do 25 de Abril sempre
existiu em mim, pela educação que recebi e o exemplo que em casa tive
com o modelo da minha mãe e pai, exactamente por esta ordem, 1º a minha
mãe. Era uma mulher, e o meu pai também que irradiavam: CORAGEM,
HONESTIDADE, VERDADE, LIBERDADE DE AFIRMAÇÃO, PATRIOTISMO, RESPEITO E
AMOR PELO OUTRO,PELOS ANIMAIS, AS PLANTAS, A NATUREZA, e, no caso dela,
Deus, no que a segui até aos meus vinte e poucos anos.
Esta foi uma descoberta intemporal e imaterial, isto é, quem vive
destes e para estes princípios, em verdade, um dia, tarde ou cedo,
revolta-se contra os que são a negação do que afirmam ser e defender,
assim, o reconheci com a Igreja Católica e os fascismos, e, assim,
também identifico a maior parte da realidade politica construída,
sobretudo, depois do 25 de Novembro 1975, com o esmagamento dos
militares que João Lacerda, no livro do ano de 1976, identifica como os
militares mais próximos do povo explorado, e, porque assim aconteceu?
Na resposta cabe a história/estória/ cronica daqueles e destes tempos, que vou tentar contar-vos
Inicio este texto no dia 18 de Abril 2016, exactamente 40 anos depois
de quase ter sido linchado na Madeira, por causa de ter anunciado com
os trabalhadores Alentejanos a Reforma Agrária que, de um modo mais
profundo, a Constituição de 1976 instituiu.
Constituição que entrou em vigor a 25 de Abril 76, por a termos
precedido, fui rotulado de comunista e mandado para a Madeira, depois
de, a 13 de Março daquele ano, o general Chefe do Estado Maior do
Exército, imperativamente me ter dito que tinha de ir. Como suspeitava
que os FLAMISTAS (os independentistas capitaneados ou amados num nível
qualquer por João Jardim) me iam tornar a vida viúva -negra até à morte,
recusei por duas vezes o embarque, porém, vencido parto e em 26 de
Março sou ameaçado de morte pelo suposto chefe operacional dos
bombistas, de seu nome Firmino, meu antigo colega. Do facto dou
conhecimento ao Brigadeiro Azeredo que me deixa entregue a mim mesmo -
que me defenda, depois dar-me-iam todo a apoio. Deram, como me defendi,
fui preso no forte da Trafaria, onde, passo o 1º Dia da entrada em vigor
da Constituição- 25 de Abril 76, corria o meu sexto dia de prisioneiro
que, assim, registo no meu diário:
" Em Portugal a festa da liberdade, ou o enterro da revolução?
Na rádio fala-se em alegria, paz e sei lá mais o quê: homenagem aos
homens de Abril. Aos capitães, deve-se mais este segundo ano de
liberdade. Se por um lado isto é embriagante que sabor amargo deixa na
boca de um que também criou aquela liberdade,e tudo sem a menor
hesitação, aos 25 anos de idade, arriscou para a conquistar e colocar ao
serviço dos outros, e, agora, jaz preso!
O dia 25 de Abril 1976 foi duro também pelas incertezas que
pressinto, inerentes ao processo eleitoral, onde, um grande número de
trabalhadores ainda continua agarrado às mil mentiras que a Igreja e o
fascismo solidamente cimentaram entre o nosso povo, que sendo dócil,
pachorrento não reage, e aceita o que os supostos homens de bem lhes
dizem.
Todavia, creio que este povo sabe o que quer, contudo, ainda não se
apercebeu que quando um Freitas do Amaral ou um Sá Carneiro lhes dizem
que estão com ele e vão resolver-lhes os problemas- mentem, enganam-nos.
Mas um dia o povo saberá que o capitalismo vive da exploração e da
miséria do povo, e a partir de então nascerá a revolução socialista e
popular, isto, sinto-o, por um lado, por outro, a melancolia, a solidão e
a angústia da minha prisão.
Estou preso, porque não me deixei matar, porém não ignoro que mil
vozes se levantarão para se vingarem de quem em Abril, tão cedo, noite
de 24, ainda, pelas 22h 55', ao som da canção "E Depois do Adeus "
embrenhou-se no processo, na Revolução do 25 de Abril, que me trouxe a
esta prisão, onde, me liquidarão militar e civilmente"
Eis o meu 25 de Abril 1976, depois de ter previsto,após a conversa
com o sr. General Eanes, em 13 Março 76, que a mais dura repressão e
violência se abateria sobre o povo Alentejano, como veio a acontecer,
encerrando-se, em definitivo e de um modo inconstitucional, a Reforma
Agrária, nas terras transtaganas com as mortes em Setembro de 1979 de
Caravela e Casquinha, este, um jovem de 17 anos."
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