sábado, 21 de março de 2015

A poesia das árvores

A poesia também tem o seu dia, é hoje, coincidente com o dia da árvore.
Eugénio de Andrade tinha a convicção que "Um poema ou uma árvore podem ainda sal­var o mundo." Não sabemos se é mesmo assim, mas certamente que um poema ou uma árvore ajudam muito a tornar o mundo melhor!

Vejamos como é bela a poesia das árvores:

Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-a
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
 António Ramos Rosa
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Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos
e transformar os espinhos
em rosas e canções.

E principalmente não pensem na morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas.
A morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira
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Árvores negras que falais ao meu ouvido,
Folhas que não dormis, cheias de febre,
Que adeus é este adeus que m despede
E este pedido sem fim que o vento perde
E esta voz que implora, implora sempre
Sem que ninguém lhe tenha respondido?
 Sophia de Mello Breyner Andresen
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Deus disse: "O Zambujeiro nasça".
Viril, rompeu da terra o Zambujeiro.
O tronco é o dum homem das montanhas.
São mãos de cavador seus ramos. Só as folhas,
Delicadas, suaves... Pela noita,
Quando tudo se cala, mesmo os pássaros,
O Zambujeiro canta...
(in Pelo Sonho é que vamos, Sebastião da Gama)
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Forte como um destino,
Calmo como um pastor,
A sarça ardente é quando o sol, a pino,
O inunda de seiva e de calor.
Barbas, rugas e veias
De gigante.
Mas, sobretudo, braços!
Longos e negros desmedidos traços,
Gestos solenes duma fé constante...
A um Carvalho, Miguel Torga
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As árvores como os livros têm folhas 
e margens lisas ou recortadas, 
e capas (isto é copas) e capítulos 
de flores e letras de oiro nas lombadas. 

E são histórias de reis, histórias de fadas, 
as mais fantásticas aventuras, 
que se podem ler nas suas páginas, 
no pecíolo, no limbo, nas nervuras. 

As florestas são imensas bibliotecas, 
e até há florestas especializadas, 
com faias, bétulas e um letreiro 
a dizer: «Floresta das zonas temperadas». 

É evidente que não podes plantar 
no teu quarto, plátanos ou azinheiras. 
Para começar a construir uma biblioteca, 
basta um vaso de sardinheiras. 
Jorge Sousa Braga
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Era uma árvore no passeio
e fosse tempo claro ou feio,
havia uma paz de agasalho
dependurada em cada galho.

E foi vivendo. Viver gasta
músculo e flama de ginasta,
quanto mais uma arvorezinha
meio garota-de-sombrinha.

Carlos Drummond de Andrade
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A solidão da árvore sozinha 
no campo do verão alentejano
é só mais solitária do que a minha
e teima ali na terra todo o ano
quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia
e o calor é tão triste como o é somente a alegria
Eu passo e passo muito mais que o próprio dia.
Ruy Belo

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.
Pablo Neruda
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Árvores do Alentejo
Horas mortas? Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido? e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro e giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
pedindo a Deus a minha gota de água.
Florbela Espanca
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Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.
António Gedeão

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