«O seu adeus a Belém marca o fim de uma era e, muito provavelmente, o resto de qualquer influência política no futuro do país que desenhou há muito.
Afinal este Portugal que hoje temos, no melhor e no pior, é uma herança sua. Cavaco Silva sempre foi um crente, mas nunca um devoto. Aliou a crença nas privatizações com o papel determinante do Estado como motor da transformação de Portugal. Trouxe os homens do país real para o centro da política, delimitando o poder da célebre linha Estoril-Cascais, que nunca lhe perdoou. Teve sempre demasiadas certezas e poucas dúvidas e foi, por isso, que muitas vezes se perdeu demasiado atrás de um biombo desnecessário. Não surpreende por isso que o homem que teve os portugueses a seus pés abandone Belém sem uma exclamação de agradecimento. Cavaco perdeu-se no seu tempo e talvez tenha deixado de perceber aquele que se foi construindo longe dos muros de Belém. Esta sua solidão final, ainda mais vincada por estes dias em que Marcelo já parecia ser o PR, mostra que a eternidade, na política portuguesa, é efémera. A sua missão acabou há algum tempo. Mas agora é oficial.»
Fernando Sobral![]() |
Fonte: Público |
«Hoje é o último dia de mandato de Cavaco Silva enquanto Presidente da República. Hoje é um dia bom.
Poderia dedicar linhas sem conta aos 10 anos em que Cavaco esteve à frente do Governo (1985-1995): a suposta vaga modernizadora, que pôs a economia portuguesa nas mãos da finança e da construção, e que destruiu grande parte do aparelho produtivo nacional; o autoritarismo presunçoso, procurando disfarçar a estreiteza de vistas; ou os valores conservadores e atávicos, que toleraram o oportunismo, o novo-riquismo e o tráfico de influências, mas para quem a legalização do aborto ou o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo eram assuntos do diabo.
Não preciso de ir tão longe porque os últimos dez anos dão pano para mangas. O primeiro mandato de Cavaco enquanto PR foi marcado por aquelas relevantíssimas e esclarecedoras intervenções relacionadas com o Estatuto dos Açores, as escutas a Belém e o casamento homossexual. O segundo mandato por uma crescente colagem às posições do governo PSD/CDS, chegando ao cúmulo de alimentar um ambiente de suspeita em torno do processo de formação do governo agora em funções.
Quanto a coerência, é o que se sabe. Enquanto o PS foi governo, Cavaco afirmava que "há limites ao sacrifício que se pode pedir às pessoas". Quando o governo mudou, todos os esforços para satisfazer as exigências de austeridade passaram a ser adequadas.
Aquele que deveria ser o garante máximo da soberania nacional assistiu não só impávido mas até entusiasmado à capitulação do país – apelando, em 2014, a que Portugal se deixasse ficar sob tutela externa durante mais algum tempo (ver Roteiros VIII).
Já em Fevereiro de 2015, quando a Grécia estava a ser sujeita a uma chantagem sem precedentes das instituições europeias, Cavaco não encontrou melhores palavras do que lembrar os empréstimos portugueses à Grécia, revelando a essência mesquinha,vingativa e preconceituosa da pessoa que sempre foi.
Cavaco Silva poderia ter aproveitado a sua posição para fazer alguma pedagogia sobre a situação do país. Em vez disso, tentou sempre influenciar a acção executiva – de resto, sem eficácia – participando na construção do clima de medo e de chantagem a que fomos sujeitos enquanto povo.
Neste momento seria fácil passar uma esponja sobre o assunto e não pensar mais nesta nódoa que manchou a democracia portuguesa. Prefiro não esquecer. Espero, sinceramente, nunca mais ter de conviver com um Presidente da República assim.
Adeus Cavaco. »
Não preciso de ir tão longe porque os últimos dez anos dão pano para mangas. O primeiro mandato de Cavaco enquanto PR foi marcado por aquelas relevantíssimas e esclarecedoras intervenções relacionadas com o Estatuto dos Açores, as escutas a Belém e o casamento homossexual. O segundo mandato por uma crescente colagem às posições do governo PSD/CDS, chegando ao cúmulo de alimentar um ambiente de suspeita em torno do processo de formação do governo agora em funções.
Quanto a coerência, é o que se sabe. Enquanto o PS foi governo, Cavaco afirmava que "há limites ao sacrifício que se pode pedir às pessoas". Quando o governo mudou, todos os esforços para satisfazer as exigências de austeridade passaram a ser adequadas.
Aquele que deveria ser o garante máximo da soberania nacional assistiu não só impávido mas até entusiasmado à capitulação do país – apelando, em 2014, a que Portugal se deixasse ficar sob tutela externa durante mais algum tempo (ver Roteiros VIII).
Já em Fevereiro de 2015, quando a Grécia estava a ser sujeita a uma chantagem sem precedentes das instituições europeias, Cavaco não encontrou melhores palavras do que lembrar os empréstimos portugueses à Grécia, revelando a essência mesquinha,vingativa e preconceituosa da pessoa que sempre foi.
Cavaco Silva poderia ter aproveitado a sua posição para fazer alguma pedagogia sobre a situação do país. Em vez disso, tentou sempre influenciar a acção executiva – de resto, sem eficácia – participando na construção do clima de medo e de chantagem a que fomos sujeitos enquanto povo.
Neste momento seria fácil passar uma esponja sobre o assunto e não pensar mais nesta nódoa que manchou a democracia portuguesa. Prefiro não esquecer. Espero, sinceramente, nunca mais ter de conviver com um Presidente da República assim.
Adeus Cavaco. »
Ricardo Paes Mamede
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