Para um alentejano, o dia de hoje é de uma enorme alegria e satisfação, mesmo que no Alentejo de que sou originário o cante tenha pouca expressão. Mas o cante tem aquela marca identitária que nos transporta a uma dimensão emocional que não podemos ficar indiferentes.
Pelo que rezam as crónicas, bastaram 5 minutos para a UNESCO aprovar, esta manhã, em Paris, o Cante Alentejano como património cultural imaterial da humanidade. A representação portuguesa presente na sala da UNESCO abraçou-se emocionada (sem a presença do secretário de Estado da Cultura) e Paris ouviu os alentejanos de Serpa (mas parece que nem tudo correu bem!*).
Às 11h17 em Paris (10h17 em Portugal) a inscrição do Cante Alentejano foi finalmente efectuada na lista do património cultural imaterial da UNESCO, culminando cerca de 15 anos de trabalho, que nesta candidatura teve como promotores a Câmara Municipal de Serpa e a Entidade Regional de Turismo/ Agência de Promoção do Alentejo.
A candidatura do Cante Alentejano foi considerada “exemplar” pelo órgão de avaliação da UNESCO – cujos membros se declararam “unânimes sobre a qualidade desta candidatura”. Nesta área, o cante é a terceira nomeação portuguesa a ser consagrada internacionalmente pela UNESCO, depois do fado em 2011 (precisamente há 3 anos), e da dieta mediterrânica em 2013 (uma candidatura apresentada em conjunto com Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia).
Para o cantor alentejano Vitorino “É de salientar a importância destas duas candidaturas, a do fado e esta”, disse o cantor em declarações ao jornal Público, em Paris, não faltando assim a este significativo momento. “O fado é muito solitário e individual. O cante é uma expressão colectiva – ele implica entre 18 e 30 vozes. É inclusiva. É muito atenta ao movimento social.” Vitorino acredita que o reconhecimento do cante como património da humanidade “vai eternizá-lo”. Vamos pensar que sim, contudo, uma simples classificação sem um trabalho profundo aglutinador de todos os agentes (grupos corais, escolas, autarquias, entidades culturais...) pode valer de muito pouco. O fado fez isso.
Para já, e independentemente da decisão tomada pela UNESCO, a candidatura criou uma dinâmica regional e local que trouxe uma vitalidade ao cante alentejano, com o aparecimento de novos grupos, muitos deles compostos por jovens, e grande visibilidade mediática inédita. Actualmente existem mais de 150 grupos de cante, por isso, mão à obra, que certamente existem condições para prosseguir as palavras de Vitorino.
* Do Diário do Alentejo On-line, por Paulo Barriga: "Os cantadores de Serpa estão em Paris para subir ao palanque grande da Unesco. Mas vieram de autocarro desde a margem esquerda do Guadiana. Os cantadores de Serpa estão na cidade luz, mas apenas viram a luz da cidade pelas janelas foscas da camioneta. Os cantadores de Serpa são as estrelas da companhia, mas não têm dignidade para serem convidados para a receção que o senhor embaixador dá hoje em sua casa, precisamente a propósito do cante poder vir a ser inscrito na lista do património cultural imaterial da Humanidade. Os cantadores de Serpa dormem num pardieiro a mais de uma hora de Paris, enquanto os convidados do senhor embaixador pernoitem nos hotéis de várias estrelas das zonas “bien” da cidade. Os cantadores de Serpa, todos os cantadores, apenas ficam bem na fotografia, principalmente se nela, na fotografia, couberem os convidados do senhor embaixador e, já agora, ele próprio. De resto, os cantadores, os de Serpa e todos os outros, são um perfeito empecilho quando não estão a cantar ou quando não estão a ser fotografados ao lado daqueles que ainda pensam que são os donos do cante. Quando o cante, já se disse, tem um legítimo detentor: os grupos corais. Que continuam a cantar, mesmo depois de passarem dias inteiros dentro de um autocarro, dormirem num tugúrio ou ficarem à porta do senhor embaixador. É assim a natureza de quem canta. Do fundo do coração"
* Do Diário do Alentejo On-line, por Paulo Barriga: "Os cantadores de Serpa estão em Paris para subir ao palanque grande da Unesco. Mas vieram de autocarro desde a margem esquerda do Guadiana. Os cantadores de Serpa estão na cidade luz, mas apenas viram a luz da cidade pelas janelas foscas da camioneta. Os cantadores de Serpa são as estrelas da companhia, mas não têm dignidade para serem convidados para a receção que o senhor embaixador dá hoje em sua casa, precisamente a propósito do cante poder vir a ser inscrito na lista do património cultural imaterial da Humanidade. Os cantadores de Serpa dormem num pardieiro a mais de uma hora de Paris, enquanto os convidados do senhor embaixador pernoitem nos hotéis de várias estrelas das zonas “bien” da cidade. Os cantadores de Serpa, todos os cantadores, apenas ficam bem na fotografia, principalmente se nela, na fotografia, couberem os convidados do senhor embaixador e, já agora, ele próprio. De resto, os cantadores, os de Serpa e todos os outros, são um perfeito empecilho quando não estão a cantar ou quando não estão a ser fotografados ao lado daqueles que ainda pensam que são os donos do cante. Quando o cante, já se disse, tem um legítimo detentor: os grupos corais. Que continuam a cantar, mesmo depois de passarem dias inteiros dentro de um autocarro, dormirem num tugúrio ou ficarem à porta do senhor embaixador. É assim a natureza de quem canta. Do fundo do coração"
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