sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Rui Manuel Trindade Jordão

Rui Jordão partiu hoje, aos 67 anos.
Jordão fez-me sonhar e gostar ainda mais de futebol (bem me lembro daqueles jogos em Alvalade ou do penalty contra a URSS e dos golos contra a França).
Só posso agradecer!
Elegante, por vezes desconcertante, eficaz, felino, tranquilo, um artista, dentro e fora dos relvados; depois de pendurar as chuteiras percorreu os caminhos das artes plásticas e tornou-se doutor com duas licenciaturas na área das artes. Em tudo foi diferente, enquanto profissional de futebol e quando fugiu ao estereótipo do ex. jogador de futebol.
Irónico que num momento de tanta divisão no SCP, a perda de um dos seus maiores símbolos gere tanta unanimidade, porque Rui Jordão foi isso mesmo no SCP, consensual, tal como na vida. A melhor homenagem talvez fosse mesmo eternizar o nº11 com um só nome:Jordão.



Rui Manuel Trindade Jordão viveu duas vidas. Foi um avançado goleador, um dos melhores que o futebol português alguma vez viu, um jogador ágil e vibrante que fazia do golo uma festa partilhada. Foi também um artista plástico que encontrou na pintura uma nova vida longe da relva e longe dos golos. O futebol nunca o preencheu totalmente, apesar de ter sido um jogador de uma entrega incondicional, e dele se afastou voluntariamente, não porque lhe causasse repulsa, mas porque tinha espaço na sua vida para mais. O futebol deu-lhe amigos, memórias e notoriedade, mas não mais lhe preencheu na totalidade as horas e os pensamentos. Basicamente, Rui Jordão foi alguém que conseguiu ser um artista nas duas vidas diferentes que teve.
Morreu nesta sexta-feira, aos 67 anos, depois de vários dias internado no hospital de Cascais devido a problemas cardíacos, um homem que foi diferente num mundo em que a regra é conviver mal quando se passa a estar afastado da ribalta. Jordão foi a “Gazela de Benguela”, um angolano que aterrou em Lisboa para jogar no Benfica, onde chegou a partilhar o ataque com Eusébio e de quem foi designado como sucessor. Foram, no entanto, os seus anos no Sporting que o elevaram à categoria de mito, uma década de golos e de títulos que lhe garantiram um lugar à mesa dos maiores de sempre do futebol “leonino”. Mas também foi Rui Manuel, estudante de pintura com 40 anos na Sociedade de Belas Artes, licenciado em História da Arte, e pintor com obra exposta.
Tal como seria a sua vida de pintor, Rui Jordão foi um futebolista tardio. Apenas aos 16 anos começou a jogar no Sporting de Benguela, em Angola, depois de ter mostrado talento no atletismo. O Sporting andava no seu encalce, mas deixou de estar quando Jordão se lesionou. Aproveitou o Benfica, que o foi buscar por 30 mil escudos e meteu-o na sua equipa de juniores. Estávamos em 1970. Um ano depois, Jimmy Hagan já o tinha na primeira equipa dos “encarnados”, que tinha um ataque recheado – Eusébio, Simões, Artur Jorge, Nené, Vítor Baptista. Jordão estava lá para aprender e, aos poucos, vai ganhando um lugar ao lado dos “monstros”. Doze golos na primeira época, 67 nas quatro temporadas seguintes pelo Benfica, onde conquista quatro títulos de campeão e duas Taças de Portugal.
Foram muitos os interessados por toda a Europa, mas Jordão acaba por ir para o Saragoça a troco de nove mil contos. Não fica muito tempo em Espanha. Uma época depois, o Benfica fecha-lhe a porta do regresso e João Rocha resgata-o para o Sporting. Fez a viagem de Saragoça para Lisboa a 28 de agosto de 1977 para se estrear nessa mesma noite num jogo contra o Vasco da Gama em que marcou dois golos. Em Alvalade, Jordão cumpriu nove épocas, com 187 golos em 279 jogos, com mais dois títulos de campeão nacional, duas taças e uma supertaça, e a memória de um futebol ofensivo e espetacular, ao lado de jogadores como Salif Keita, António Oliveira ou Manuel Fernandes.

in Público "Rui Jordão, diferente por vontade própria" por Marco Vaza,



“Monte Estoril, 18 de Outubro de 2019

COMUNICADO DA FAMÍLIA DO DR. RUI MANUEL TRINDADE JORDÃO

Artista Plástico
As lágrimas do mundo são uma constante quantitativa: para cada um que começa a chorar, há um que pára de o fazer.
Samuel Beckett, À espera de Godot
Não vimos aqui, na verdade, comunicar nada. Não há nada de novo a comunicar. Quase antes de sermos informados, já a notícia corria na imprensa, nas redes sociais, no boca-a-boca... Rui Jordão faleceu esta manhã.
O que a imprensa, as redes sociais e o boca-a-boca não sabem é quem, de facto, era o Rui Jordão. Mas isso, se não se importam, fica para quem teve o privilégio incrível de privar com ele, de o conhecer para além da figura pública.
Num momento em que a perda de um ente querido nos fragiliza, comove-nos, acima de tudo, o facto de percebermos que mais pessoas do que pensávamos sabem, na alma, que o Rui Jordão era – e sempre foi – muito mais que um dos melhores jogadores de futebol portugueses do século XX.
Neste momento em que nos confrontamos com a brutalidade irónica da existência, vimos, aqui, agradecer a todos os que, directa ou indirectamente, o acompanharam, o apoiaram e, acima de tudo, o compreenderam.
A narrativa da vida do nosso Rui não terminou. Tal como nunca terminam as narrativas daqueles que transcenderam as glórias mundanas, a favor da contemplação humanista – figura pública, ou não.
Respeitando profundamente as suas intenções – sempre coerentes –, não haverá lugar a exéquias. A cada um a sua homenagem pessoal, profissional, ou pública. Não esqueçamos, no entanto, que, lá por não acabar a Primavera por morrer uma andorinha, certamente a Primavera ficará mais pobre...
O PINTOR: O escadote fica bem neste lugar?
FILIPE R T: Resulta melhor sem ele.
O PINTOR: O escadote fica bem neste lugar!

Dr. Rui Manuel Jordão “
 

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