Jordão fez-me sonhar e gostar ainda mais de futebol (bem me lembro daqueles jogos em Alvalade ou do penalty contra a URSS e dos golos contra a França).
Só posso agradecer!
Elegante, por vezes desconcertante, eficaz, felino, tranquilo, um artista, dentro e
fora dos relvados; depois de pendurar as chuteiras percorreu os caminhos das artes plásticas e tornou-se doutor com duas licenciaturas na área das artes. Em tudo foi diferente, enquanto profissional de futebol e quando fugiu ao estereótipo do ex. jogador de futebol.
Irónico que num momento de tanta divisão no SCP, a perda de um dos seus maiores símbolos gere tanta unanimidade, porque Rui Jordão foi isso mesmo no SCP, consensual, tal como na vida. A melhor homenagem talvez fosse mesmo eternizar o nº11 com um só nome:Jordão.
“Rui Manuel Trindade Jordão viveu duas vidas. Foi
um avançado goleador, um dos melhores que o futebol português alguma vez viu,
um jogador ágil e vibrante que fazia do golo uma festa partilhada. Foi também
um artista plástico que encontrou na pintura uma nova vida longe da relva e
longe dos golos. O futebol nunca o preencheu totalmente, apesar de ter sido um
jogador de uma entrega incondicional, e dele se afastou voluntariamente, não
porque lhe causasse repulsa, mas porque tinha espaço na sua vida para mais. O
futebol deu-lhe amigos, memórias e notoriedade, mas não mais lhe preencheu na
totalidade as horas e os pensamentos. Basicamente, Rui Jordão foi alguém que
conseguiu ser um artista nas duas vidas diferentes que teve.
Morreu nesta sexta-feira, aos 67 anos, depois de
vários dias internado no hospital de Cascais devido a problemas cardíacos, um
homem que foi diferente num mundo em que a regra é
conviver mal quando se passa a estar afastado da ribalta. Jordão foi
a “Gazela de Benguela”, um angolano que aterrou em Lisboa para jogar no
Benfica, onde chegou a partilhar o ataque com Eusébio e de quem foi designado
como sucessor. Foram, no entanto, os seus anos no Sporting que o elevaram à
categoria de mito, uma década de golos e de títulos que lhe garantiram um lugar
à mesa dos maiores de sempre do futebol “leonino”. Mas também foi Rui Manuel,
estudante de pintura com 40 anos na Sociedade de Belas Artes, licenciado em
História da Arte, e pintor com obra exposta.
Tal como seria a sua vida de pintor, Rui Jordão foi um
futebolista tardio. Apenas aos 16 anos começou a jogar no Sporting de Benguela,
em Angola, depois de ter mostrado talento no atletismo. O Sporting andava no
seu encalce, mas deixou de estar quando Jordão se lesionou. Aproveitou o
Benfica, que o foi buscar por 30 mil escudos e meteu-o na sua equipa de
juniores. Estávamos em 1970. Um ano depois, Jimmy Hagan já o tinha na
primeira equipa dos “encarnados”, que tinha um ataque recheado – Eusébio,
Simões, Artur Jorge, Nené, Vítor Baptista. Jordão estava lá para aprender
e, aos poucos, vai ganhando um lugar ao lado dos “monstros”. Doze golos na
primeira época, 67 nas quatro temporadas seguintes pelo Benfica, onde conquista
quatro títulos de campeão e duas Taças de Portugal.
Foram muitos os interessados por toda a Europa, mas
Jordão acaba por ir para o Saragoça a troco de nove mil contos. Não fica muito
tempo em Espanha. Uma época depois, o Benfica fecha-lhe a porta do regresso e
João Rocha resgata-o para o Sporting. Fez a viagem de Saragoça para Lisboa a 28
de agosto de 1977 para se estrear nessa mesma noite num jogo contra o Vasco da
Gama em que marcou dois golos. Em Alvalade, Jordão cumpriu nove épocas, com 187
golos em 279 jogos, com mais dois títulos de campeão nacional, duas taças e uma
supertaça, e a memória de um futebol ofensivo e espetacular, ao lado de
jogadores como Salif Keita, António Oliveira ou Manuel Fernandes.”
in Público "Rui Jordão, diferente por vontade própria" por Marco Vaza,
“Monte Estoril, 18 de Outubro de 2019
COMUNICADO DA FAMÍLIA DO DR. RUI MANUEL TRINDADE JORDÃO
Artista Plástico
As lágrimas do mundo são uma constante
quantitativa: para cada um que começa a chorar, há um que pára de o fazer.
Samuel Beckett, À espera de Godot
Não vimos aqui, na verdade, comunicar nada.
Não há nada de novo a comunicar. Quase antes de sermos informados, já a notícia
corria na imprensa, nas redes sociais, no boca-a-boca... Rui Jordão faleceu
esta manhã.
O que a imprensa, as redes sociais e o
boca-a-boca não sabem é quem, de facto, era o Rui Jordão. Mas isso, se não se
importam, fica para quem teve o privilégio incrível de privar com ele, de o
conhecer para além da figura pública.
Num momento em que a perda de um ente querido
nos fragiliza, comove-nos, acima de tudo, o facto de percebermos que mais
pessoas do que pensávamos sabem, na alma, que o Rui Jordão era – e sempre foi –
muito mais que um dos melhores jogadores de futebol portugueses do século XX.
Neste momento em que nos confrontamos com a
brutalidade irónica da existência, vimos, aqui, agradecer a todos os que,
directa ou indirectamente, o acompanharam, o apoiaram e, acima de tudo, o
compreenderam.
A narrativa da vida do nosso Rui não terminou.
Tal como nunca terminam as narrativas daqueles que transcenderam as glórias
mundanas, a favor da contemplação humanista – figura pública, ou não.
Respeitando profundamente as suas intenções –
sempre coerentes –, não haverá lugar a exéquias. A cada um a sua homenagem
pessoal, profissional, ou pública. Não esqueçamos, no entanto, que, lá por não
acabar a Primavera por morrer uma andorinha, certamente a Primavera ficará mais
pobre...
O PINTOR: O escadote fica bem neste lugar?FILIPE R T: Resulta melhor sem ele.
O PINTOR: O escadote fica bem neste lugar!
Dr. Rui Manuel Jordão “